Passaram-se oito anos desde que a banda se juntou para compor a trilha musical do espetáculo de teatro “Ubu Rei – uma odisséia em bundalelê”, montagem do diretor paraense Paulo Santana para a obra Ubu Rei, de Alfred Jarry. O que seria apenas um trabalho teatral seguiu em frente após o fim do espetáculo e a banda continuou. Ao longo desses anos, o Madame Saatan acumulou experiências, galgou seus passos e ganhou projeção na grande mídia. Há três anos em São Paulo, a banda lança agora seu segundo disco, Peixe Homem, e apresenta a primeira música de trabalho, “Respira”, cujo clipe ganhou produção internacional. Acompanhe a entrevista com a vocalista Sammliz Samm, que fala sobre o novo álbum, raízes musicais, bandas emergentes e metas profissionais. Fogo nas fitas!
A Ilha do Metal: De onde surgiu essa proposta de misturar o peso metálico com boas doses de ritmos regionais e populares, como batidas de quadrilha e carimbó?
Sammliz Samm: Quando nos reunimos para tocar pela primeira vez o consenso foi que a banda soaria pesada e que poderíamos agregar o que quiséssemos ao som. Os ritmos regionais e populares simplesmente fizeram parte de nossa formação e é normal que se manifestem no som que fazemos, ainda que na maior parte do tempo de forma sutil.
AIDM: O Madame Saatan foi ganhando nome no circuito local, com presença garantida em vários festivais, especialmente o Se Rasgum. Compartilhe algumas memórias que foram sendo construídas nesses oito anos. Fale sobre as primeiras apresentações e sobre aqueles detalhes que só os que acompanharam o nascimento da banda conhecem…
SS: É, mudamos muito de lá para cá. Bem no comecinho nos apresentávamos com uma trupe de atores que faziam performances no palco enquanto a banda tocava, fazendo uma espécie de clipe ao vivo. Usávamos projeções também e isso era da época que estávamos profundamente envolvidos com o mundo do teatro. Eram shows muito divertidos. Com o tempo tomamos a formação clássica de shows. Também já tivemos o quinto membro, o guitarrista Zé Mário, que ficou na banda por três anos.
AIDM: Bandas com mulheres à frente era algo difícil de ver, hoje se tornou mais comum. Apesar disso, ainda há certos rótulos como “Rock de saias” ou “Metal feminino”. Como você encara isso?
SS: Mulheres sempre estiveram fazendo Rock desde que ele existe e o que acontecia antes é que poucas conseguiam projeção. Atualmente a quantidade de mulheres atuando no meio aumentou bastante, o que é ótimo e espero que apareçam muito mais. Sempre achei terrivelmente bobos rótulos como: “Rock de Saia” e “Metal feminino”. Faço música e ponto final.
- AIDM: Enquanto frontwoman, como você vê a presença da mulher no Heavy Metal de anos atrás? E que mudanças você aponta no que diz respeito à experiência feminina no Rock pesado atual?
SS: Noto há algum tempo a presença cada vez mais expressiva de mulheres atuando em bandas com sons extremos, o que antes era um terreno bem restrito, e acho isso bacana. Há um mundo além do Melódico e o Gothic Metal e é interessante notar a presença delas em bandas de diversos estilos. Mas gostaria de ver mais mulheres buscando formas de cantar que não fossem tão calcadas em fórmulas gringas, ainda que não ache ruim as que seguem as escolas tradicionais. Apenas acho que já basta de cópias. Acho que as mulheres poderiam trazer mais frescor e novidade para a cena mais pesada, algo que estamos precisando, se [elas] buscassem experimentar mais. Gostaria de vê-las compondo mais, cantando mais em português (no caso de bandas brasileiras) e encontrar mais bateristas, guitarristas, baixistas…
AIDM: Embora em português, fator que geralmente repele os ouvintes de Rock pesado por questões estilísticas, muita letras do Madame Saatan se destacam por suas poéticas humanas. Comente algumas.
SS: Esse “embora seja em português” precisa começar a ser limado porque é um equívoco dizer que o Metal por questões estilísticas não soa bem em nossa língua. Talvez se você for emular exatamente uma banda gringa soe forçado, provavelmente vai, e aí é que está o desafio de se apropriar de um estilo que não foi criado aqui. Reinvente-o, adapte-o, por que não? Por algumas gerações foi massacrado no Brasil que uma banda de Metal só daria certo se fosse em inglês e essa visão de que português “repele” alguns ouvintes de Rock acontece simplesmente por falta de costume, mas isso não foi sempre assim, vide bandas pioneiras, como o Stress, que eram muito bem aceitas em sua época. Sobre minhas letras, eu não gosto de destrinchá-las, prefiro que as pessoas se embrenhem nelas e construam suas próprias imagens mentais e que as decifrem, ou não, a seu modo. Em muitas delas falo sobre minhas histórias, medos, paixões, dúvidas e esperanças, ou seja, tudo que pertence a mim, você e a qualquer um.
AIDM: A respeito do clipe de “Vela”, que alavancou o Madame Saatan na grande mídia e foi um dos clipes mais assistidos no MTV Overdrive. Comente sobre esse trabalho repleto de referências ao Círio de Nazaré, uma das mais importantes manifestações culturais do Norte.
SS: Gosto muito dessa música e sempre que vejo o clipe me emociono em algumas partes. Foi muito difícil gravar esse trabalho porque exigiu muito fisicamente e emocionalmente. Eu não sou católica, nunca tinha acompanhado a procissão do Círio, mas fiquei muito comovida durante a gravação. Houve um momento em que simplesmente abracei a diretora, Priscilla Brasil, e começamos a chorar, fulminadas que estávamos por tanta energia da multidão. Escrevi a letra porque sou uma curiosa em relação às religiões e as conexões que o homem procura ter com o divino. A eterna dualidade humana é totalmente exposta em grandes manifestações com a festa do Círio, tão sagrada, tão profana e acho isso fascinante.
AIDM: Quando comparado ao primeiro álbum, Peixe Homem soa muito mais direto e cru. Fale mais sobre o conceito e a produção desse recém-lançado coquetel molotov.
SS: Em quase quatro anos em SP passamos por muitas alegrias, dificuldades, realizamos alguns sonhos e adquirimos outros, tivemos muitas despedidas e tudo isso nos tornou mais introspectivos. Tudo foi refletido no som, que acabou ficando mais denso e pesado. Peixe Homem fala sobre nossas transformações e mudanças internas e externas. É um disco urbano, visceral e que foi amarrado por nossas raízes.
AIDM: A respeito do clipe de “Respira”, este foi resultado da parceria com o diretor P.R. Brown. Como aconteceu de trabalharem juntos?
SS: Finalizadas as gravações do disco, a etapa seguinte foi partir para a realização do primeiro clipe do trabalho novo e passamos a procurar o diretor. Priscilla Brasil, responsáveis por dois clipes nossos ( Devorados e Vela), não pôde fazer e outros profissionais que entramos em contato cobraram valores que não poderíamos pagar. Tinha que ser na parceria ou nada feito. Nosso produtor então entrou em contato com P.R , que é uma referência mundial em clipes de Rock, através do Facebook, já que não tínhamos nada a perder. Ele respondeu pedindo mais informações da banda e material. Tudo foi enviado e a resposta veio positiva, ele simplesmente disse que adorou a banda e que gostaria de vir o Brasil trabalhar conosco. Pois veio bancando a própria passagem com as milhas que tinha e trouxe a tiracolo Jaron Presant para fazer a direção de fotografia. Foi uma semana sensacional ao lado deles e dessa parceria saíram dois clipes. Além de Respira, em breve será a vez do vídeo de Até o Fim* que vem como uma continuação do primeiro. Paul é uma grande cara e virou um grande amigo nosso.
AIDM: O lançamento do álbum Peixe Homem aconteceu em Belém e teve até wall of death. Como foi a sensação de tocar novamente em casa?
SS: Para iniciar o novo ciclo teria que ser a partir de Belém. Travamos uma batalha para conseguir realizar o lançamento do jeito que queríamos e no fim deu tudo certo com aquela incrível multidão que deu as caras no Píer das 11 Janelas. Ficamos emocionados com tamanha demonstração de carinho e com a presença de tantas famílias, jovens, velhos dinossauros e ainda com nova geração de músicos que dividiram o palco conosco. A presença dos ícones Jayme Katarro e Roosevelt Bala na apresentação dos shows foi simbólico, para selar a força que o Rock tem no Pará e dizer que estamos todos juntos, a velha e a nova geração. Foi um evento que deu super certo e foi maravilhoso e inesquecível para nós.
AIDM: Um ponto interessante nesse show foi justamente as bandas de abertura. A Red Nightmare e Consenso Ilusivo foram selecionadas pelo próprio Madame através de demos enviadas. Nesse sentido, o que você tem a dizer a toda uma população de jovens músicos que, assim como o ARN e o Consenso, lutam por uma oportunidade de mostrar sua arte e que, assim como o Madame Saatan, emergem da força do underground?
SS: Se nós temos algum tipo de projeção por que não aproveitar isso e mostrar artistas que estão na mesma missão que a nossa? Um dia lá atrás me deram essa oportunidade e foi muito importante e determinante. Escolhemos apenas bandas novas, sendo uma do interior do estado, para mostrar que precisamos de renovação e que há ótimas bandas em atividade. O que tenho a dizer para quem está chegando agora é que a vida de músico não é fácil e exige além de desmedida paixão, muito trabalho, responsabilidade e comprometimento. O que mais digo aos jovens que estão querendo levar a sério o ofício é que não reclamem, e sim façam. O artista precisa ser empreendedor e aprender a se auto produzir. Não te chamam para tocar em festival? Lógico, não te conhecem e, portanto, vá e faça seu evento. Mimimi não ajuda nada. Estude seu instrumento, adquira experiência tocando muito e com músicos melhores que você, pesquise, leia, converse, toque e faça shows brutalmente bons porque com isso o público vem atrás. Tudo é possível para todos nós em qualquer lugar no mundo, em qualquer interior de qualquer Estado e para quem não tem grana (como nós). Corra de verdade atrás que com certeza algum tipo de retorno você terá.
AIDM: Radicada em São Paulo há três anos, a banda alcançou outro nível. Como foi o processo de adaptação na nova cidade? As oportunidades foram surgindo em momento oportuno ou demoraram mais? Como os trabalhos foram fluindo por lá?
SS: Fomos para São Paulo primeiro para participar de um projeto no Circuito Cultural Banco do Brasil onde tocamos com o Pepeu Gomes e também para fazer um programa da MTV. Logo depois retornamos para uma temporada de três meses para divulgar o primeiro disco, mas coisas boas começaram a acontecer logo na chegada e tivemos que escolher entre voltar para Belém e ficar na mesma ou permanecer em SP, sem garantia de nada e sem nenhuma estrutura, para buscar o sonho de viver de banda ou no mínimo conseguir mais projeção para a mesma. Passamos por algumas dificuldades, como ocorre em qualquer adaptação, moramos todos juntos por dois anos, mas aqui estamos. Mais do que nunca juntos na missão. Jamais nos arrependemos.
AIDM: Algo muito comum aos artistas do Norte é serem imediatamente associados ao tecnobrega. Imagino que, mesmo tocando Rock pesado, com vocês não foi diferente. Como se deu a recepção da banda no circuito Rock além das fronteiras do Norte?
SS: Sempre fomos muito bem recebidos em todas as cidades que tocamos e no início, a surpresa que causávamos em algumas pessoas quando dizíamos que éramos de Belém, era proporcional a ótima recepção. O Norte é a terra do Calypso, do tecnobrega e dos bons rocks. Tá tudo certo.
AIDM: Atualmente os músicos paraenses estão recebendo uma atenção maior da grande mídia. Os principais exemplos disso são a Gaby Amarantos e o próprio Madame Saatan. Deixando as diferenças de estilo de lado, o que você vê em comum entre esses músicos provenientes de uma realidade amazônica tão latente? Como você enxerga esse momento de boom da música vinda do Pará?
SS: A cena musical mais interessante atualmente no Brasil é a do Pará e temos orgulho em fazer parte dela, junto a amigos como Gaby, Felipe Cordeiro e tantos outros. Há admiração e respeito máximo entre os artistas dessa “nova cena” e nós ficamos muito felizes com as conquistas de cada um deles, assim como sabemos que a recíproca é verdadeira. O que nos une é justamente nossas diferenças e a liberdade que temos ao lidar com a nossa música, além do respeito e o apoio. Há espaço e público para todo tipo de música e uma das coisas mais bacanas em Belém é esse grande leque. Em relação à cena rocker da cidade, somos amigos de vários músicos e bandas e pra mim a cena metal no Estado é uma das mais batalhadoras do Brasil. Ela está sempre em atividade e mantém o Rock pulsando forte na região. Eu quero é que todo mundo que esteja fazendo seu trabalho se dê bem e vejo todo mundo que está na mesma missão que a nossa como parceiro.
AIDM: Vocês encerraram o ano lançando um álbum que obteve excelentes opiniões especializadas, além dos shows de divulgação por todo o Brasil. Quais são os novos objetivos, especialmente para esse ano que se inicia?
SS: Tocamos em todo tipo de lugar e pra todo tipo de público, nos maiores festivais do Brasil e nos lugares mais simples, trabalhamos com alguns dos melhores profissionais desse país e até de outro, conhecemos muita gente, fizemos muitos amigos, choramos, brigamos, rimos horrores, ficamos mais unidos e sobrevivemos. O ano de 2011 foi um renascimento e foi encerrado da melhor forma possível com uma tour massa em parte do Norte e pelo Nordeste e com Peixe Homem entrando em diversas listas importantes como um dos melhores discos nacionais do ano. Ficamos muito felizes e só temos a agradecer a todos que nos ajudaram de várias formas a realizar esse trabalho e o carinho e força que nosso público nos dá.
AIDM: Muito obrigada pela entrevista. Para terminar o espaço é todo seu para as considerações finais.
SS: Muito obrigada pelo espaço, foi um prazer conversar com você.
Convido todos a conferir nosso site www.madamesaatan.com . Grande beijo!
*O vídeo novo ainda não tinha sido lançado quando foi realizada a entrevista. Assista agora o clipe de Até o Fim neste link:
Categoria/Category: Entrevistas
Tags: Madame Saatan • O Tao do Caos • Pará • Peixe Homem • Respira • rock
Notícia mais recente: « Manifesto Rock Fest 9: Terceira Eliminatória
Notícia mais antiga: At the Gates: iniciada pré-venda de ingressos pela internet »